28/agosto/2003
Breve História do Pontal do Paranapanema
Ao contrário do que alguns sustentam,
a região do Pontal do Paranapanema tem uma pré-história
verificada muito antes da chegada dos trilhos da estrada de ferro Sorocabana.
A penetração nos sertões da Alta Sorocabana
se deu pelo vale do Rio Santo Anastácio,
rio esse conhecido desde a expedição colonizadora chefiada
pelo Sargento-Mor Teotônio José Juzarte (composta de 800 pessoas,
entre soldados, homens, mulheres e crianças), datada de 1.769 (Cf.
Basílio de Magalhães em "Expansão Geográfica
do Brasil Colonial", 3a Edição, Ed. Epasa, 1.944).
Sobre esse episódio o historiador
anastaciano Celso Jaloto Ávila Júnior, no livro
"Santo Anastácio História de uma
Cidade" (1995), em capítulo intitulado "Descobrimento
do Rio Santo Anastácio" (pág. 14/15), esclarece que Francisco
Paes, acompanhado de um grupo de homens ficou nas margens do Rio Santo
Anastácio com a missão de explorar o seu curso e de encontrar
uma passagem para ligar a cidade de Sorocaba. E acrescenta "no mapa de
1.770 da Capitania de São Paulo já se encontra registrado
a descoberta do novo rio".
Todavia a colonização do vale do Rio Santo Anastácio se deu muitos anos depois quando por volta de 1.847, um grupo de mineiros chefiados pelo legendário José Theodoro de Souza iniciaram a ocupação desses sertões, que se desenvolveu pelo território que compreende as bacias dos Rios "Paranapanema", "Santo Anastácio" e "Peixe". Celso Jaloto Ávila, na Revista de Santo Anastácio, publicada em 1967, em capítulo denominado "Santo Anastácio e sua História", pág. 4, confirma que a comitiva do sertanejo mineiro José Theodoro de Souza apossou-se de vasta área, garantindo, desta forma, domínio sobre as terras existentes entre os Rios do Peixe e Paranapanema até o Rio Paraná.
Impõe-se esclarecer que essa posse nada tinha de irregular, pois a concessão de terras, pelo governo central se encontrava naquela ocasião suspensa por ordem do Príncipe Regente D. Pedro I, desde 1822. Retomando sua narrativa o historiador informa que José Theodoro procedeu ao registro da posse em Botucatu (no livro do vigário). Na seqüência empreendeu viagem a sua terra natal (Minas Gerais) para buscar sua família e atrair companheiros nessa empreitada. Com ele vêm outros membros da família, tais como seus irmãos Bernardino José de Souza, Francisco de Souza Ramos e seu cunhado João da Silva Oliveira (o único que sabia ler).
Com o advento da guerra do Paraguai famílias mineiras preferiram se embrenhar nos sertões da Alta Sorocabana, enfrentando índios, feras e mosquitos transmissores da febre a entregar seus filhos aos recrutadores do exército imperial. Segundo consta, a avalanche de mineiros foi enorme e por esse motivo, outros para cá vieram nas pegadas de José Teodoro. Registramos alguns: Antônio de Paula Rodrigues, Joaquim Alves de Lima, João Lopes, Pedro Alves de Morres, José da Costa Alemão Coimbra, José Antônio Gouveia, José da Silva Oliveira entre muitos outros.
Vê-se, pois, que os paulistas bandeirantes, grandes responsáveis pela marcha para o Oeste, conquistando para a Nação a parte maior do território além do tratado de Tordesilhas, legou para os mineiros a tarefa da colonização da Alta Sorocabana. O governo imperial fez várias tentativas de regularizar a ocupação desse território, em sua maioria frustrada. O advogado Amador Nogueira Cobra, na obra "Recanto do Sertão Paulista", Editora Hennies & Cia. (1943), narra que o governo central de quando em quando enviava a Campos Novos do Paranapanema (na época a Comarca) um juiz comissário que saia recolhendo os documentos de propriedade dos ocupantes por aqui radicados.
Ocorre, entretanto, (esclarece o mesmo autor) que de posse desses documentos os juizes comissários iam embora para nunca mais voltar. Assim sendo, os ocupantes ficavam por aqui sem os seus documentos e sem resposta quanto à regularização de suas propriedades. O Pontal do Paranapanema tem a sua maior porção coberta pelo título da antiga "Fazenda Pirapó-Santo Anastácio", cuja ocupação se deu originalmente por José Theodoro de Souza, seguido de José Antônio Gouveia, que segundo depoimentos prestados nos autos do processo de legitimação de posse, pouco tempo ficou por essas paragens, transferindo a sua posse por título escrito de 1861 em favor de Joaquim Alves de Lima, o qual, por seu turno, transferiu a gleba em apreço ao filho João Evangelista de Lima.
No ano de 1886, Evangelista tentou o reconhecimento da propriedade junto ao Juiz Comissário de Campos Novos do Paranapanema, pedido esse que terminou sendo recusado pelo então Presidente da Província Prudente de Moraes. Todavia na época do indeferimento o imóvel já se encontrava na posse de Manoel Pereira Goulart que em 1890, por escritura pública, houvera a gleba em questão de João Evangelista. A despeito do insucesso na tentativa de obter o reconhecimento da propriedade Goulart valeu-se de legislação então baixada para celebrar com o Governo Provisório da República contrato de colonização, para assentar 2000 (duas mil) famílias imigrantes nessa região.
Todavia o contrato de colonização restou igualmente frustrado eis que Goulart passou a sofrer das faculdades mentais vindo a ser internado em hospital psiquiátrico, onde anos depois faleceu. Largo período se passou com o processo de colonização caminhando lentamente, até que em 1908, devidamente autorizada por alvará judicial, a esposa de Manoel Goulart (Dona Militânia Cândida Marques) alienou 2/3 (dois terços) do imóvel "Pirapó-Santo Anastácio" para a Companhia dos Fazendeiros de São Paulo, que tratou de tentar regularizar a propriedade nos autos da grande discriminatória iniciada no ano de 1910 pelo Estado.
Data dessa mesma época o processo de divisão judicial da fazenda "Santo Anastácio" que se arrastou na justiça por cerca de 2 (duas) longas décadas, envolvendo mais de 3000 (três mil) condôminos no imóvel, o que deu origem a milhares de novos títulos de propriedade. Nas pegadas da Cia dos Fazendeiros inúmeras empresas colonizadoras se estabeleceram na região, vindo o processo de colonização tomar grande velocidade, que resultou na fundação de diversas cidades. Citamos algumas: Presidente Prudente, Álvares Machado, Presidente Bernardes, Santo Anastácio, Presidente Venceslau, Piquerobi, Caiuá, Presidente Epitácio, Teodoro Sampaio entre tantas outras.
O antigo processo discriminatório iniciado em 1910 recebeu sentença favorável do Juiz de Direito de Presidente Prudente em 1928, no entanto o Estado não deu seguimento ao procedimento que restou sem conclusão nas prateleiras da procuradoria do Estado. A despeito do processo anterior o Estado deu início a uma série de ações discriminatórias objetivando a regularização fundiária em perímetros menores, tendo algumas delas alcançado resultado, mediante a expedição de títulos de domínio outorgado em favor dos seus respectivos ocupantes; 2 (duas) delas foram julgadas improcedentes (glebas Cuiabá e Ribeirão Claro); ao passo que outras tantas restaram sem conclusão por força de legitimação outorgada em 1945 pelo Interventor de São Paulo, o engenheiro agrônomo Fernando Costa.
Trata-se da conhecida Lei Morato, que outorgou domínio a todos os ocupantes de determinado imóvel portadores de justo título (aquele título de propriedade que contém vício de origem), pelo período de 20 (vinte) anos, bem como em favor daqueles ocupantes, pelo período mínimo de 30 (trinta) anos, sem qualquer título, independente de processo de legitimação. Mediante essa legislação fundiária que tranqüilizou os proprietários quanto à legitimidade da propriedade de seus respectivos imóveis o desenvolvimento regional experimentou período de grande impulso, até que, pressionado por movimentos sociais o Estado decidiu rever posição anteriormente tomada, para sob a escusa de uma pretensa "regularização fundiária" questionar as origens remotas das propriedades da região.
É indisfarçável
que o objetivo do Estado não era outro senão tentar retomar
as propriedades para redistribuí-las entre os chamados "sem terra".
No entanto impõe-se ponderar que isso não é moral
e nem justo com aqueles que estão trabalhando, por si e antecessores,
por período superior a um século nessas terras, munidos de
títulos de propriedade que o próprio Estado colaborou na
sua formação. Daí emerge a esperança que depositamos
no Governador Geraldo Alckmin e nos parlamentares, na iniciativa de regularizar,
de uma vez por todas, a situação fundiária local,
propiciando a segurança jurídica indispensável à
retomada dos investimentos necessários, com o conseqüente desenvolvimento
econômico e social da nossa região. Fernando Antônio
Neves Baptista, (44), é advogado dedicado a questões agrárias,
é consultor jurídico da UDR - União Democrática
Ruralista e produtor rural em Presidente Bernardes.
* Dr. Fernando Antonio Neves Baptista, Advogado